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Awana Blog

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A CRIANÇA DA BÍBLIA


Intro­du­ção
Há mui­tas refe­rên­cias dra­má­ti­cas envol­vendo cri­an­ças na Bíblia. Den­tre as mais ter­rí­veis estão os rela­tos de cri­mes hedi­on­dos e mas­sa­cres come­ti­dos con­tra elas (Nm 31.17), ódios incon­ti­dos (Sl 137.9), ati­tu­des estú­pi­das e incon­ce­bí­veis (vd. 2Rs 2.23 – 25; Jz 11.30 – 40). Note que não me refiro aqui  ao que as cri­an­ças do povo de Deus sofre­ram, mas ao que este mesmo povo come­teu con­tra suas pró­prias cri­an­ças e  con­tra as cri­an­ças dos povos vizinhos.
Por que a Bíblia pre­ser­va­ria tais rela­tos, dos quais hoje temos tanta ver­go­nha? Seria para que apren­dês­se­mos que, mesmo em nome de Deus, pode­mos ser tão cruéis, até com os mais ino­cen­tes? Seria para nossa adver­tên­cia? Para que nunca mais come­tês­se­mos cri­mes como esses?

Levando-se em conta que, no côm­puto geral, a grande ênfase das pági­nas da Bíblia é jus­ta­mente a busca da supe­ra­ção de tais prá­ti­cas ina­cei­tá­veis, a impres­são que se tem é que, sim!, esses rela­tos foram mesmo pre­ser­va­dos, nas pági­nas das Sagra­das Escri­tu­ras, para nos ser­vi­rem de alerta e de con­vo­ca­ção para sua superação.
Ana­li­se­mos mais de perto os padrões recor­ren­tes, nos rela­tos bíbli­cos, nos quais as cri­an­ças são os sujei­tos, as protagonistas.
Segundo Joseph Camp­bell[1], cer­tas cir­cuns­tân­cias da infân­cia são deter­mi­nan­tes para a cons­ti­tui­ção de qual­quer herói, mito­ló­gico ou não: nas­ci­mento mira­cu­loso, aban­dono, orfan­dade, deser­ção, ame­a­ças, per­se­gui­ção, fei­tos extra­or­di­ná­rios e, o maior de todos, a gera­ção divina e mesmo o nas­ci­mento vir­gi­nal: “Há, então, uma tra­di­ção de mito­lo­gias [Ulis­ses, Buda, Vyasa, Krishna…, Jesus] envol­vendo o pro­ge­ni­tor espi­ri­tual e o filho que pre­cisa ir em busca desse pai”  (CAMPBELL, Joseph. Isto és tu: Redi­men­si­o­nando a Metá­fora Reli­gi­osa. São Paulo: Landy Edi­tora, 2008. p. 65).

Com os heróis bíbli­cos não foi dife­rente. Veja­mos alguns deles, para men­ci­o­nar­mos ape­nas os mais conhe­ci­dos, envol­vendo as cir­cuns­tân­cias extra­or­di­ná­rias em torno da sua nati­vi­dade extra­or­di­ná­ria (para­digma do “nas­ci­mento vir­gi­nal”), da per­se­gui­ção sofrida (para­digma do “mas­sa­cre dos ino­cen­tes”) e dos fei­tos extra­or­di­ná­rios da cri­ança bíblica (para­digma da “cri­ança como mestre”):
Come­ce­mos cosi­de­rando os rela­tos quanto à nati­vi­dade e à per­se­gui­ção da cri­ança bíblica, isto é:

Os para­dig­mas do “nas­ci­mento vir­gi­nal” e do “mas­sa­cre dos inocentes”
As pri­mei­ras cri­an­ças bíbli­cas só podem ter sido Adão e Eva. Todo mundo pensa que eles já nas­ce­ram adul­tos, mas não há nenhuma prova cien­tí­fica disso. Se Deus sem­pre quis ter filhos, não per­de­ria a chance de tê-los desde bebês. Prova disso é que anda­vam nus, como faz toda cri­ança, e não se enver­go­nha­vam. Depois que cres­ce­ram… bem, aí é outra estó­ria. Brin­ca­dei­ras à parte, note­mos o padrão esta­be­le­cido: Gera­ção divina, nas­ci­mento extra­or­di­ná­rio (do barro/costela), fei­tos sur­pre­en­den­tes (come­ram do fruto proi­bido), foram mor­tal­mente ame­a­ça­dos (pela ser­pente), são exi­la­dos em um mundo hos­til e inós­pito (expul­são do paraíso), são engra­vi­da­dos de uma sau­dade sem fim de um paraíso a ser recon­quis­tado (germe da espe­rança mes­si­â­nica). Desde então esse padrão se repe­diu, não só na his­tó­ria bíblica, em par­ti­cu­lar, como na his­tó­ria da huma­ni­dade, em geral.

Mas detenhamo-nos por ora nas per­so­na­gens bíbli­cas mais conhecidas.
  • No gêne­sis da his­tó­ria da gênese do povo de Israel, está Isa­que, filho de mulher esté­ril, que escapa, por inter­ven­ção divina, do sacri­fí­cio infan­ti­cida, cena recor­rente em mui­tas das cul­tu­ras pri­me­vas — a des­peito disso, há de tornar-se um dos três gran­des patri­ar­cas do seu povo;
  •  Ismael, seu meio-irmão, filho de uma con­cu­bina, foi deser­dado e aban­do­nado no deserto para mor­rer de fome, não fosse a mesma inter­ven­ção divina — acaba tornando-se o pai de uma outra grande nação;
  • Moi­sés, filho de uma escrava, por pro­vi­dên­cia divina e astú­cia de algu­mas mulhe­res e meni­nas, con­se­gue esca­par do “mas­sa­cre dos ino­cen­tes” defla­grado por Faraó — tornar-se-á o maior liber­ta­dor de todos os tempos;
  • Samuel, filho de mulher esté­ril. É ofe­re­cido a Deus por seus pais, e vive um tipo espe­cial de exí­lio, ser­vindo no tem­plo ao sacer­dote Eli. Não era da tribo de Arão, con­di­ção para ser sacer­dote, no entanto, por inter­ven­ção divina, torna-se o suces­sor de Eli, pas­sando a ocu­par o lugar que deve­ria ser de um dos filhos des­lei­xa­dos do velho sacerdote;
  • Davi, antes de tornar-se o prin­ci­pal rei da his­tó­ria dos hebreus, não pas­sava de uma cri­ança des­qua­li­fi­cada e subes­ti­mada por seus irmãos mais velhos. Pois é jus­ta­mente essa cri­ança enjei­tada (há quem diga que era bastardo) que é esco­lhida pelos desíg­nios divi­nos para ser o grande herói de Israel: o menino poeta mata gigan­tes e torna-se rei, o maior deles;
  • João Batista, filho de um casal de ido­sos, ele sacer­dote, ela esté­ril. Um anjo surge, quase matando o velhi­nho de susto (o coi­tado ficou sem fala por muito tempo por causa disso), e anun­cia o nas­ci­mento dessa cri­ança espe­cial, que have­ria de ser o pre­cur­sor do Mes­sias. O menino adquire manias esqui­si­tas: come gafa­nhoto, veste-se com pele de camelo, peram­bula pelo deserto, e ins­ti­tui um novo padrão de higi­ene que foi bati­zado de batismo. Prega con­tra a cor­rup­ção e a imo­ra­li­dade da coorte e acaba preso e decapitado.
  • Jesus, filho de uma vir­gem, nasce sem lugar na hos­pe­da­ria, com direito a anjos, magos e pas­to­res. Mas tem que fugir, para esca­par ao “mas­sa­cre dos ino­cen­tes”, supos­ta­mente decre­tado por Hero­des o Grande, e passa um bom tempo exi­lado no Egito[2]. Volta e lidera o mais famoso movi­mento revo­lu­ci­o­ná­rio da his­tó­ria do mundo. É preso, con­de­nado injus­ta­mente, e sen­ten­ci­ado à pena de morte… mas vence a morte e con­ti­nua sua revo­lu­ção por meio dos seus seguidores;
  • Den­tre eles, está o após­tolo João que, quando come­çou a seguir Jesus, era ainda uma cri­ança pequena, que fazia per­gun­tas indis­cre­tas e dei­tava no colo do Mes­tre na hora do jan­tar. Diz a tra­di­ção  que mais tarde escre­ve­ria epís­to­las nas quais tra­ta­ria a todos por “meus filhi­nhos” e ter­mi­na­ria exi­lado numa ilha (claro que gente adulta e séria não acre­dita muito nisso);
  • Outro foi o pró­prio após­tolo Paulo, que, tendo “nas­cido de novo” na estrada de Damasco, de per­se­gui­dor passa a ser per­se­guido e, por isso, exila-se na Ará­bia, antes de vol­tar e tornar-se o maior de todos os mis­si­o­ná­rios cris­tãos. Escreve mui­tas car­tas, nas quais ques­ti­ona os valo­res do Impé­rio Romano, da cul­tura grega e do lega­lismo judaico. Natu­ral­mente, acaba preso e é mar­ti­ri­zado – não sem antes gerar mui­tos filhos na fé, alimentá-los com leite espi­ri­tual e, à medida que cres­ciam, com ali­mento teo­ló­gico consistente.
Pode­ría­mos esten­der a lista das “cri­an­ças” bíbli­cas, mas con­si­de­ra­mos que as que aqui foram refe­ri­das já são sufi­ci­en­tes para nos aju­da­rem a esta­be­le­cer o padrão e com­pre­en­der­mos o para­digma. Sim, à luz des­ses enun­ci­a­dos, pode­mos con­cluir, como Camp­bell (p. 69), que:
O que esse[s] relato[s] parece[m] repre­sen­tar é o rei-tirano, o velho mons­tro, que se agarra firme ao poder, e insiste em perpetuar-se no sta­tus quo, repre­sen­tando a domi­na­ção do prin­cí­pio do ego, que se recusa a ceder e a abrir-se ao novo prin­cí­pio, que ani­quila o antigo e gera o novo. O tirano, então, [tem] que ser morto. E ele é final­mente ven­cido pelo herói que cres­ceu no exí­lio. […] a cri­ança exposta ao perigo, subs­ti­tuída por uma cri­ança com pais tro­ca­dos cuja vida é ame­a­çada elo rei-tirano e que retorna para sobre­pu­jar o poder deste último e tra­zer algo novo ao mundo.

O para­digma da “cri­ança como mestre”
O outro para­digma, que nos pro­pu­se­mos a con­si­de­rar, é o que Camp­bell deno­mina “cri­ança como mes­tre” (ibid.):

Uma vez que Cristo era para ser o pre­cep­tor do mundo e o mes­tre espi­ri­tual, Sua faça­nha infan­til foi a de ensi­nar os sábios no tem­plo naquela esplên­dida opor­tu­ni­dade quando seus pais tive­ram que ir a Jeru­sa­lém para o censo [sic.: na ver­dade, trata-se da festa da Pás­coa]. Cada um pensa que Cristo está com o outro quando, de fato, Jesus está ensi­nando os sábios no templo.
Este epi­só­dio, nar­rado por Lucas, no cap. 2, a par­tir do verso 39, nos inte­ressa par­ti­cu­lar­mente para apro­fun­dar­mos nossa com­pre­en­são do que a Bíblia enfa­tiza quando trata da cri­ança. Tome­mos, então, o menino Jesus como emblema de toda criança:

A cri­ança e a cul­tura: imer­são e identidade
39.  Cum­pri­das todas as orde­nan­ças segundo a Lei do Senhor, vol­ta­ram para a Gali­léia, para a sua cidade de Nazaré. 40   Cres­cia o menino e se for­ta­le­cia, enchendo-se de sabe­do­ria; e a graça de Deus estava sobre ele. 41   Ora, anu­al­mente iam seus pais a Jeru­sa­lém, para a Festa da Pás­coa. 42   Quando ele atin­giu os doze anos, subi­ram a Jeru­sa­lém, segundo o cos­tume da festa. (Lc 2.39 – 42)

Chamo a aten­ção para a obser­vân­cia dos cos­tu­mes, a par­ti­ci­pa­ção nas fes­tas e nos even­tos da cul­tura do povo. Bem como, para o cum­pri­mento de pre­cei­tos (“orde­nan­ças”, “Lei do Senhor”), a prá­tica cíclica e recor­rente (“anu­al­mente”, “segundo o cos­tume”), a dimen­são cele­bra­tiva (“festa da Páscoa”).
Tudo isso aponta para a impor­tân­cia da imer­são cul­tu­ral na for­ma­ção da cri­ança. Longe de repe­ti­ção inó­cua, as come­mo­ra­ções cícli­cas, os ritu­ais, as fes­ti­vi­da­des, os cos­tu­mes e as roti­nas,  são fun­da­men­tais no pro­cesso de ama­du­re­ci­mento da cri­ança, na cons­tru­ção do seu cará­ter e da sua per­so­na­li­dade e, por­tanto, da sua iden­ti­dade.

A cri­ança e a reli­gião: ques­ti­o­na­mento e alteridade
Para efei­tos didá­ti­cos, sal­te­mos para outra parte da narrativa:
46   Três dias depois, o acha­ram no tem­plo, assen­tado no meio dos dou­to­res, ouvindo-os e interrogando-os. 47   E todos os que o ouviam muito se admi­ra­vam da sua inte­li­gên­cia e das suas respostas.

Certa vez eu escrevi: “pena que já não se façam mais dou­to­res como esses da infân­cia de Jesus.” Como sabe­mos, Dou­tor que se preze não gosta de ser ques­ti­o­nado, não perde tempo com con­versa de cri­ança, nem acha que pode apren­der alguma coisa com elas.

Ao con­trá­rio, aque­les dos tem­pos de Jesus, ao que parece, fica­ram três dias num fer­ti­lís­simo diá­logo com um menino, ouvindo-lhe os insis­ten­tes “Por quês?” e admirando-se da sua inte­li­gên­cia… Sim! Cri­an­ças são inte­li­gen­tes, mesmo na Bíblia. E, mais, os dou­to­res tam­bém se admi­ra­vam das suas res­pos­tas. Quer dizer então que cri­ança não está aí só pra aprender/perguntar, mas tam­bém para ser dar suas res­pos­tas. Então, só pode­mos con­cluir que ela não tem que ficar qui­e­ti­nha e ouvir as lições da Escola Domi­ni­cal sem “dar um pio”… Por­que, não pou­cas vezes, quem têm as res­pos­tas cer­tas são as crianças.

Alem do que, sem a pos­si­bi­li­dade da “alte­ri­dade”, não haverá nunca “iden­ti­dade”. Ques­ti­o­nar faz parte do cres­ci­mento, é con­di­ção impres­cin­dí­vel para o desen­vol­vi­mento do cará­ter e da personalidade.

A cri­ança e os pais (a famí­lia): auto­no­mia e submissão
Vote­mos aos ver­sí­cu­los 43 – 45:
43   Ter­mi­na­dos os dias da festa, ao regres­sa­rem, per­ma­ne­ceu o menino Jesus em Jeru­sa­lém, sem que seus pais o sou­bes­sem. 44   Pen­sando, porém, estar ele entre os com­pa­nhei­ros de via­gem, foram cami­nho de um dia e, então, pas­sa­ram a procurá-lo entre os paren­tes e os conhe­ci­dos; 45   e, não o tendo encon­trado, vol­ta­ram a Jeru­sa­lém à sua procura.

Aí está indi­cada tam­bém a impor­tân­cia das “via­gens”, do “sair de casa”, do encon­tro com o des­co­nhe­cido, o estran­geiro, o estra­nho, o impre­visto, o ines­pe­rado, o impon­de­rá­vel… Todos esses, ele­men­tos indis­pen­sá­veis à expe­ri­men­ta­ção em busca da auto­no­mia e da matu­ri­dade no con­fronto com a alteridade.
Não pen­se­mos que seus pais eram irres­pon­sá­veis. Há 12 anos repe­tiam o mesmo pro­ce­di­mento. Como das outras vezes, Jesus deve­ria estar com seus irmãos, com suas pri­mas, com seus ami­gos, com suas cole­gas… Arris­cado? Sem dúvida! Mas não se adquire auto­no­mia por meio da superproteção.

Note­mos como foi o reencontro:
48   Logo que seus pais o viram, fica­ram mara­vi­lha­dos; e sua mãe lhe disse: Filho, por que fizeste assim conosco? Teu pai e eu, afli­tos, esta­mos à tua pro­cura. 49   Ele lhes res­pon­deu: Por que me pro­cu­rá­veis? Não sabíeis que me cum­pria estar na casa de meu Pai? 50   Não com­pre­en­de­ram, porém, as pala­vras que lhes dis­sera. 51   E des­ceu com eles para Nazaré; e era-lhes sub­misso. Sua mãe, porém, guar­dava todas estas coi­sas no coração.
Houve ten­sões e, evi­den­te­mente, cons­tran­gi­men­tos… exor­ta­ções e res­pos­tas atra­ves­sa­das… Desen­ten­di­men­tos e dis­ci­plina. O con­flito entre as gera­ções é ine­vi­tá­vel. Há mui­tas coi­sas que os pais nunca enten­de­rão em seus filhos. E há outras que os filhos nunca enten­de­rão em seus pais. Às vezes o jeito é engo­lir (“guar­dar no cora­ção”), outras, submeter-se (“e era-lhes sub­misso”). A rela­ção pais-filhos é sem­pre mar­cada por con­ces­sões e intran­si­gên­cias, de ambos os lados. A corda nunca deve arre­ben­tar de um só lado.
Auto­no­mia e sub­mis­são são os pesos que equi­li­bram a balança da vida humana. Para se man­ter o equi­lí­brio, é pre­ciso apren­der a fazer mano­bras “arris­ca­das”, como andar de bici­cleta (con­forme aprendi do meu amigo Zé Lima):

Quando a força cen­trí­peta de uma curva puxa a bici­cleta para a esquerda, por exem­plo, o ciclista tem que pen­der para a direita, e vice-e-versa. Mas tam­bém é ver­dade que, quando a bici­cleta vai caindo pra direita, o ciclista vira, rapi­da­mente, o gui­dão para a mesma direita, e vice-e-versa.
Até que a cri­ança aprenda a andar de bici­cleta, ela toma uns tom­bos, leva uns arra­nhões, mas, uma vez apren­dido o mila­gre do equi­lí­brio, ela nunca mais se esquece.

A cri­ança e o mundo: sabe­do­ria e graça
Note-se a mol­dura da perí­cope (ver­sos 40 e 52), o des­ta­que dado ao cres­ci­mento da cri­ança: em esta­tura, sabe­do­ria e graça.
40   Cres­cia o menino e se for­ta­le­cia, enchendo-se de sabe­do­ria; e a graça de Deus estava sobre ele. […] 52   E cres­cia Jesus em sabe­do­ria, esta­tura e graça, diante de Deus e dos homens.

Toda cri­ança deve cres­cer em esta­tura. Isso é o nor­mal e o espe­rado. Qual­quer irre­gu­la­ri­dade nisso, pra mais ou pra menos, traz pre­o­cu­pa­ção. Pra isso, é pre­ciso o cui­dado do corpo, da saúde, da ali­men­ta­ção, da higi­ene, do bem estar emo­ci­o­nal, etc.

Toda cri­ança tam­bém deve cres­cer rumo à sabe­do­ria. Mas a esta não se chega de uma hora pra outra. Há um cami­nho lógico a ser per­cor­rido: Pri­meiro é pre­ciso que apren­da­mos a lidar com os dados, as infor­ma­ções. Depois é pre­ciso apren­der a trans­for­mar infor­ma­ções em conhe­ci­mento. Só então, pode­re­mos deci­dir o que fazer com esse conhe­ci­mento. A maneira como apli­ca­mos o conhe­ci­mento é que nos torna sábios ou não. Alguém que seja capaz de, com o os dados, as infor­ma­ções e o conhe­ci­mento, cons­truir armas de des­trui­ção em massa, por exem­plo, é, evi­den­te­mente, muito inte­li­gente, mas não se pode dizer que seja sábio.

Por último, o texto fala que Jesus cres­cia em “graça”. Não dá pra nos deter­mos nas enor­mes impli­ca­ções disso, mas só pra dar um gos­ti­nho: em grego, “graça” (cha­ris) tem a mesma raiz de outros ter­mos, tais como “ale­gria” e “gra­ti­dão”…  E a pala­vra “charme”, em por­tu­guês, vem da mesma raiz grega.

Con­clu­são
Jesus cri­ança cres­cia em esta­tura, sabe­do­ria e graça diante de Deus e dos seres huma­nos. Daí, con­cluí­mos que, cres­cer em esta­tura e em inte­li­gên­cia, mas não colo­car isso a ser­viço do Reino de Deus e do bem estar do mundo não é cres­ci­mento de verdade.

A rigor, na Bíblia, não há cres­ci­mento em rela­ção à huma­ni­dade que não impli­que em cres­ci­mento em rela­ção a Deus, e não há cres­ci­mento em rela­ção a Deus que não impli­que em cres­ci­mento em rela­ção à humanidade.
O pro­ta­go­nismo da cri­ança, tam­bém na Bíblia, é notó­rio. Nunca houve e nunca haverá heróis, nem pro­fe­tas,  nem liber­ta­do­res, nem mes­sias, nem sal­va­do­res, que não tenham sido crianças.

Não é sem razão que Isaías (11.6) anun­cia que uma cri­an­ci­nha nos guiará!


Luiz Car­los Ramos
(Pre­pa­rado, ori­gi­nal­mente, para o Encon­tro de Come­mo­ra­ção dos 10 Anos do Pro­jeto Som­bra e Água Fresca, da Igreja Meto­dista (São Ber­nardo do Campo, 22 – 24 de outu­bro de © 2010 Luiz Car­los Ramos)



[1] Joseph Camp­bell (1904 – 1987) — Autor e pro­fes­sor norte-americano reco­nhe­cido por seu tra­ba­lho no campo da mito­lo­gia com­pa­rada. Para Camp­bell, todos os mitos e épicos estão vin­cu­la­dos na psi­que humana e são mani­fes­ta­ções cul­tu­rais da neces­si­dade uni­ver­sal de expli­car rea­li­da­des soci­ais, cos­mo­ló­gi­cas e espirituais.

[2] (Vd. o docu­men­tá­rio em vídeo dis­po­ní­vel em: http://www.youtube.com/watch?v=A734kxtIBhw)